Corajosa foi a Frida. Eu só não me Kahlo.

Muita gente que conhece a minha história me chama de corajosa. Há também os que me chamam (ainda que nem sempre na cara) de louca, maluca, sem noção, desgovernada, egoísta, a que não tem mais jeito, a que gosta de chocar. Mas mesmo esses adjetivos vêm acompanhados de um “corajosa” escondido. Eu já escrevi e falei muito por aqui e no Insta que, muitas vezes, quando estamos escutando a nossa alma ao tomar uma atitude, o que parece um ato incrivelmente corajoso pra quem está de fora é apenas um “tô só sendo eu” pra quem está protagonizando. Eu me senti assim muitas vezes. Em outras, sim, foi preciso coragem pra ir com medo mesmo. Mas em muitas das minhas decisões eu me sinto em paz, com uma certeza que vem de dentro, mesmo quando não tenho a certeza de que vai dar certo. É só uma certeza de que é pra ser assim, “dê no que der”. Mas hoje eu conheci mais a fundo uma mulher verdadeiramente corajosa.

A Frida que todo mundo acha que conhece

Eu estudei sobre a Frida Kahlo na escola, escutei sobre ela na faculdade, escrevi matérias em que a citava durante minha carreira jornalística, e diversas vezes fiz piada com a “sobrancelha Frida” quando a minha começava a crescer. E aí hoje, e não quero dizer “hoje em dia”, mas sim hoje mesmo, dia 22 de novembro de 2021, é que eu fui conhecer de verdade essa mulher. Através do filme da sua vida, que foi lançado e ganhou um montão de prêmios em 2002, ou seja, 19 anos atrás. Tudo isso! Quando comecei a assistir pensei que a conhecia, e quando terminei tive vergonha do quanto não a conhecia. Me sinto vulnerável inclusive ao escrever isso aqui, porque penso de mim mesma “que tipo de jornalista não conhecia essa história a fundo?”. Pois é, o tipo EU, sorry, folks, mas é a verdade. VERDADE. Outra palavra que descreve quem foi essa mulher que muita gente tem apenas como “um símbolo do feminismo”. E ser isso já seria muito, mas antes preciso voltar para dar mais luz ao tema coragem.

A mulher viveu numa época literalmente 100 anos mais retrógrada do que a minha, 100 anos mais machista do que a minha, 100 anos mais preconceituosa do que a minha, 100 anos mais religiosa do que a minha. E quebrou basicamente todas as regras da sociedade da época. Isso sim é ser corajosa! Frida transou ainda adolescente, tinha mais amigos meninos, nunca quis casar, quando se casou foi com um cara 21 anos mais velho que era um mulherengo nato e assumido, e aceitou um casamento que incluía os casos do marido, ao que ela aproveitou para ter seus casos também, com homens e com mulheres inclusive. Sem contar os atos corajosos que teve consigo mesma, de lutar para voltar a andar depois de um acidente, de não ter desistido de viver depois de um batalhão de cirurgias, de ter vivido mais da metade da vida com dores que eram consideradas insuportáveis pelos próprios médicos. Profissionalmente, igual. Teve a coragem de apresentar seus primeiros quadros para um dos pintores mais famosos da época (que depois virou seu marido), sempre pintou o que sentia, sem pensar se seria bonito, feito, comprável ou rejeitado, não ligou para a fama, mas quando entendeu a importância de suas obras se entregou tanto que deu até um jeito de ir à sua primeira exposição no México ainda que não pudesse sair da cama.

Essa, aliás, é uma das cenas mais incríveis, e eu só ficava imaginando a cara das pessoas que presenciaram aquela cama chegando com ela deitada, como elas reagiram e o que estavam pensando. “Ela é louca mesmo” com certeza passou na cabeça de muitos. Eu enxerguei como mais um grandioso ato de coragem. Mas e ela? A contar pela paixão que tinha pela arte e por como era desapegada de certos e errados, acho que no fundo ela também só estava sendo ela mesma. E, ainda assim, me inspirou. Porque está aí um grande poder desses atos corajosos que eu, você, todos nós temos em alguma medida. Ainda que sem intenção, eles inspiram. E a partir daí é possível que saia do controle os impactos incríveis que até pequenos atos de coragem possam ter.

Eu sei que inspiro pessoas

E digo isso sem nenhuma vanglória, inclusive só sou capaz de dizer isso nesse momento porque tenho provas, porque é algo concreto e garantido – meu único planeta em Virgem é Mercúrio, então tem uma pequena porcentagem de Julie que é metódica e responsável quando o tema é trabalho. As provas: nos últimos dois meses eu recebi algumas mensagens, de pessoas bem diferentes, algumas das quais conheço pessoalmente, outras com quem mal tive contato e outras que apenas me leem online, me dizendo o quanto o fato de estar vivendo a minha vida em toda sua multiplicidade aqui na Espanha as tem inspirado. “Participar um pouco da sua vida me dá a sensação de que um dia poderei voltar a sair sem rumo também”, escreveu uma. “Tenho acompanhado seus stories e estou curtindo te ver vivendo intensamente por cada lugar que passar, quis compartilhar que te admiro e me inspiro”, enviou outra. E teve ainda uma pessoa muito especial que conheci neste (turbulento) ano que confessadamente inspirada por mim terminou seu relacionamento que já não funcionava e foi viajar fazendo voluntariado como eu. “Sei que a vida te colocou no meu caminho para isso e agora vejo claramente. Muito obrigada por ser inspiração e me mostrar que é possível”, ela escreveu, me fazendo chorar.

Porque para mim “eu só tô sendo eu”, lembra? Mais ainda nesta atual situação: realizando meu sonho de ser nômade, morar em outro país, podendo estar perto do meu filho, morando numa cidade maravilhosa e perto da praia, cheia de amigos, trabalhando com um monte de coisa diferente e gostando de todas, dançando toda semana, vivendo experiências únicas. Ou seja, não é esforço nenhum, fácil concordar, né? Mas aí, nesta madrugada de segunda-feira, escrevendo este texto às 3h da manhã depois de ver o filme – e tá tudo bem porque amanhã não trabalho e não tenho hora pra levantar – eu me dei conta de algo que eu e Frida temos em comum.

Eu também não me Kahlo

Porque, veja bem, Frida poderia ter sido super corajosa e disruptiva, porém ficar na sua e não querer chamar atenção, nem ter fama, nem correr riscos, nem nada. E fez todo o contrário. Saiu nos jornais, abrigou um exilado (e ainda teve um caso com ele), politizava e provocava com seus quadros e por onde passava chamava a atenção com suas flores e roupas totalmente coloridas quando a maioria dos looks era monocromática. Certamente ela teria tido uma vida muito menos arriscada, não teria ficado presa por uns dias como aconteceu, não teria sido o desgosto da sua mãe…

E eu também poderia ficar na minha. Não ter um Instagram aberto, não contar minha vida em um blog, não compartilhar as experiências que passo, não dizer abertamente minha opinião a respeito das coisas. Talvez minha família agradeceria, meu filho não teria medinho toda vez que subo um texto (true story, hihihi) e os adjetivos para mim fossem só positivos. Mas eu já entendi que a minha arte é escrever, me comunicar, e de maneira estruturada, cuidadosa, bem Mercúrio em Virgem mesmo. Assim como a arte da Frida era pintar. Mas não só isso…

“Eu só preciso ser”

Essa não foi Frida quem falou, e sim, Sandy. E aqui eu quero contar a parte do filme que MAIS me chamou atenção, para explicar como esse, apenas ser, é no fundo o ato mais simples e mais corajoso ao mesmo tempo. Interrogada sobre o por quê de ter se casado com Diego sabendo que ele estaria continuamente com outras mulheres, ela responde: “Olha, esse é quem ele é. E eu o amo assim. Não posso amá-lo pelo que ele não é”. É uma cena de um filme, eu sei, não dá pra garantir que ela falou essa frase. Mas há um poder aí que serve de inspiração. Porque o amor só funciona se for na base da verdade, não apenas a de falar, mas a de ser. Não dá pra amar uma ilusão, uma faceta bonita de alguém que não é realmente aquilo. E esse é o amor mais puro e bonito e o mais difícil também, porque inclui amar de verdade os defeitos detalhes desagradáveis daquela pessoa.

E aqui eu faço uma pausa para dizer, com propriedade de quem só agora está se recuperando totalmente de um extenso período de sofrer por um amor que doeu muito quando terminou (como contei no último post), que manter ilusões sobre uma pessoa, sobre o que ela “poderia ser se melhorasse nisso e naquilo”, ou “se pelo menos deixasse esse comportamento de lado”, não salva nenhuma relação e ainda torna mais difícil o fim e o luto que esse fim deixa. Então, tem jeito não, amar com a verdade, ainda que doa, é a única saída com boas possibilidades. Frida morreu abraçada com seu amor totalmente fora da caixa, depois de um casamento que terminou e recomeçou numa época em que nem legalizado era o divórcio. Não importava, porque era de verdade. Ainda que fosse absurdo para todos em volta, ainda que doesse às vezes, ainda que só funcionasse para eles dois e mais ninguém no mundo, era de verdade. E por isso é que valeu a pena.

Saindo da pausa romântica, volto para concluir que com o amor-próprio é igual. Não dá pra se amar só com o bonitinho, não dá para mudar o que a gente não é na essência, e não dá, não faz nenhum sentido manter ilusões do que “poderíamos ser se…”. E veja, sou a primeira a defender a evolução pessoal, mas crescer sempre, se mutilar (lembra dos dedos e anéis?) nunca. Nem por alguém, nem por uma convenção e nem, como me inspirou a perceber Frida hoje, pela paz de kahlar-se se você sente que tem uma voz para colocar no mundo. E pode ser qualquer voz, qualquer arte, qualquer trabalho, qualquer opinião, qualquer coisa aparentemente tonta que te dá aquele ímpeto vindo de dentro de colocar pra fora. A escritora Paula Abreu que muito, muitíssimo, me inspirou ao longo dessa jornada aqui no blog tem uma frase que explica a importância disso:

“Neste exato momento tem alguém em algum lugar do mundo
pedindo por uma ajuda que você tem para dar.”

Uma ajuda significa qualquer coisa, contanto que seja verdade, e mesmo que precise de coragem para colocar para fora. Se a sua intuição diz que sim, manda ver! Se até o fato de eu dançar forró na Espanha foi motivo de dar esperança para alguém que está lá no Brasil e não me encontra há décadas, realmente qualquer coisa que você tenha para compartilhar pode fazer a diferença. Eu continuarei “deskahlando-me” cada vez mais. Inclusive, acabo de pensar que vou dar uma notícia aqui e aproveitar para fazer um compromisso público que vai me ajudar:

O próximo post vai ser polêmico

O mais polêmico e um dos mais difíceis de postar aqui pra mim… Tão difícil que já está escrito, há meses, e ainda reescrevi há umas semanas, mas fico enrolando, e enrolando, porque será mais um marco nessa trajetória e, nesse caso, sim, vou precisar de bastante coragem pra postar. Porque fala do único tema de que eu nunca tratei aqui no blog, da única parte da minha vida que eu nunca abri em nenhum lugar a não ser as conversas com minhas melhores amigas. Mas que há tempos já venho sentindo o chamado vindo de dentro pra compartilhar… Então, fazer o compromisso com vocês de que será o próximo texto a ser publicado aqui me ajuda a gerar essa coragem e me dá o empurrãozinho pra finalmente deskahlar sobre a minha vida……. (sorry, compromisso sim, spoilers não). Mas ele virá! Promessa de corajosa que não se kahla! 😉

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